1. |
Mãos De Aranha Coxa
03:34
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MÃOS DE ARANHA COXA
Fui aranha coxa na chuva de verão
De pata ao peito, grades no coração
Se é que o tenho
Sei que a teia é só um lençol
Ou talvez enleio tosco de um aranhol
Ou teia que virou colcha
Para mim, aranha coxa
Fui aranha coxa numa teia qualquer
Espectadora no processo de envelhecer
Velha para a vida, nova para morrer
À espera que a sorte mude o que acontecer
Cabe a vida numa trouxa
Pobre aranha coxa
Com mãos de aranha
Com mãos de aranha coxa
Eu vou tecendo
Vou tecendo
Velha para a vida, nova para morrer
À espera que a sorte mude o que acontecer
Ou que alguém varra atrás da porta
E eu vire aranha morta
Com mãos de aranha
Com mãos de aranha coxa
Vou tecendo
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2. |
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A Galinha dos Ovos de Ouro
A galinha dos ovos de ouro tem prisão de ventre
Já não choca os ovos dos galos indecentes
Cacareja em gozo
Mente com todos os dentes
A galinha dos ovos de ouro tem prisão de ventre
A galinha dos ovos de ouro tem prisão de ventre
Ou lhe deu preguiça ou o galo é impotente
Se a comes não tens nada
Se esperas, ficas doente
A galinha dos ovos de ouro tem prisão de ventre
Aperta o rabo
Não dês nada a quem te rouba e te mente
A galinha dos ovos de ouro tem prisão de ventre
Por mais que a apertem, ela fica indiferente
Fica ali sentada
Até ter o rabo dormente
Mente
A galinha dos ovos de ouro tem prisão de ventre
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3. |
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VACA SAGRADA DE TETAS ESPREMIDAS
"Corre, salta, pula", diz a vaca ao padrasto
Um ditador faminto não come aqui no meu pasto
Que esta minha orquestra não precisa de batuta
Dou-te um pontapé e chamo-te filho da...
"Corre, salta, pula", diz o papa ao presidente
Só se é culpado se não provado inocente
Só come dos cornos quem nunca provou do peito
Três vivas do povo, que o ladrão já foi eleito
Vaca sagrada de tetas espremidas
Corre esse leite em bocas nefastas
Vaca sagrada de tetas espremidas
Já não dás leite, também já não pastas
"Corre, salta, pula", diz o santo ao pecador
Por mais fome que passes, sê honesto e de valor
Ajuda quem te ajuda, não mates quem te odeia
Dizes tu, meu santo, sempre de barriga cheia
"Corre, salta, pula", diz o senhor engenheiro
O prestígio que dá ter um país para mealheiro
A vaca é sagrada, é espremer enquanto dá
Vais lá ver do leite, já só o lugar lá está
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4. |
Mosca Sem Asa
03:26
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Mosca Sem Asa
Com as mãos atadas atrás das costas
Subi encostas, trepei montanhas
Trouxe da besta fracturas expostas
E os restos das suas entranhas
Enterrei machados de guerra
Subi a serra nas costas de uma mula
Hibernei pela primavera
Como uma fera que só come por gula
Com os pés atados a este fado
Fui encontrado a cavar rios
Num mar de cios encurralado
Como um castrado a ver navios
Enterrei machados de guerra
Subi a serra nas costas de uma mula
Hibernei pela primavera
Como uma fera que só come por gula
Não sou dos que fogem à luta
Na tentativa de evitar a derrota
Como um mosquito que não pica
Mosca sem asa que não se enxota
Ai, não se enxota nem cai
Chupando o sangue de outra vida
Na ferida de onde esvai
Não se enxota nem cai
Chupando o sangue
Na ferida de onde sai
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5. |
Pato Psicopata
02:53
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Pato Psicopata
Dizia o pato para a pata adormecida
Um dia hei-de levar-te até à mata
E debicar-te essa asa ferida
Dizia apaixonado o pato psicopata
E a pata fugia com medo para longe
Mas continuava a olhá-lo à socapa
Ele insistia com paciência de monge
Ela seguia-lhe o rasto por um mapa
E o pato amola a faca que a há-de matar
Mas pato que afia a faca
Perto da sua pata
Não a quer matar
Não a consegue espetar
Grasnava o pato ao longe
De bico aberto em cascata
Vida de homicida
Do pato psicopata
Ele que nunca sentira remorsos
Nem no mais macabro dos cenários
Esteve preso muitos anos na gaiola
Por matar meia dúzia de canários
Já nem grasnava isto com aquilo
Nem flutuava nos lagos da razão
E no tronco onde enforcara um esquilo
Debicou lentamente um coração
Pato desorientado, pára de hesitar
Pato que ainda hesitas
Junto a penas bonitas
Tira-lhe o grasnar
Não a consegue espetar
Grasnava de faca em punho
E asa imóvel frente à pata
Sem tino de assassino
O pato psicopata
E a pata rouba-lhe a faca
E grasna que o amor mata
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6. |
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Os Ossos no Portão da Cova do Cão
Fui à porta de um problema ver se estava mal
Subverter o meu sistema, tornar-me ilegal
E construir no meio do campo uma casa para mim
Plantar e colher os frutos, ver onde é o fim
Deixar o dinheiro, não ligar ao material
E tentar viver sem aquilo que hoje é normal
Mas o problema não abria a porta e eu ali
A ver se podia entrar ou voltar de onde vim
Queria derrubar governos, ser Miss Universo
Queria ver tudo a comer do bom e do inverso
Sem ladrões nem oprimidos, tudo a desbundar
E gente que arregaça as mangas se é para trabalhar
Vi-te a carregar os mortos para a cova do cão
Vi-te a espalhar ossos pelos cantos do portão
A selva fez-te mal à cabeça
Tenta controlar
O ímpeto imperialista de tudo mudar
A selva da tua consciência tenta responder
A vida não é uma ciência, é sobreviver
O tempo passa no acaso
Tens que trabalhar
Comer, dormir, beber, fornicar
E ter de respirar
Mais cedo que tarde, logo vieram dois ladrões
Tentar gamar às escondidas os ossos dos portões
E eu sentado não fiz nada
Foi-se a teoria
E esta porcaria toda era uma utopia
Já me lixei
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7. |
Libelinha
03:53
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Libelinha
Libelinha, onde vais tu?
Esvoaçando em lado nenhum
Não esforces as asas
Quando estás em jejum
Libelinha, tenta parar
Onde sintas que é o teu lugar
Não fujas das plantas
Onde queres pousar
Libelinha, onde estou eu?
E o que foi que me aconteceu
Como vim parar a este deserto
Sem ninguém por perto a olhar?
Libelinha, esconde-te aqui
Há sempre um lugar para ti
Nas flores sem cheiro
Deste meu jardim
Libelinha, pousa no chão
Entre o lixo e a confusão
Em cada problema
Há sempre solução
Libelinha, vem para sul
Onde o céu é sempre azul
Ainda vais parar num inferno sem mar
Onde só te resta lamentar
Voa no alcatrão
O teu poço é o meu chão
Tu podes voar e eu não
Fico aqui à espera que alguém
Me estenda a mão
Que me ergue do chão
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8. |
A Toupeira
03:13
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A TOUPEIRA
Rastejei na lama
Era uma toupeira normal
Até fiquei presa
Na lama do quintal
De um soldado louco
Que há bem pouco
Mandava tiros para o ar
Matou uma gaivota
Que furou o telhado
Da prisão da aldeia
E libertou o soldado
Que anda louco à caça
De uma garça
Que nem sequer estava lá
E eu, toupeira rasa
Vou tentando escapar
Mas quando a terra é mole
Mais me custa furar
E o soldado falha a garça
Do céu vê-se a gaivota a cair
E bate no bidé
Cai-me aqui ao pé
E já consigo fugir
Consigo fugir
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9. |
Doninha Perfumada
03:12
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DONINHA PERFUMADA
Vem, doninha perfumada
Espalhar esse misto
De excesso de odor com fulgor
Vem, doninha perfumada
Explorar a floresta
Dormir uma sesta, o que for
Vem e não tenhas medo
Que esse teu segredo
Está guardado em mim
Vem, doninha perfumada
Fugir da manada
De mão dada com o teu amor
Vem, doninha perfumada
Esquecer-te do nada
Que se misturava com a dor
Vem e não tenhas medo
Que esse teu segredo
Está guardado em mim
Vem, doninha perfumada
Não fiques sentada
À espera na esfera do breu
Vem, doninha perfumada
Seguindo esta estrada
Que liga o teu cheiro ao meu
Vem e não tenhas medo
Que esse teu segredo
Está guardado em mim
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10. |
Raposa Matreira
02:11
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RAPOSA MATREIRA
Velha raposa matreira de saco azul na pata
Sofisticada gatuna de fato e gravata
Usa a lei da sedução com o seu ar pernalto
Esquiva nas tocas da lei, legaliza o assalto
De saco cheio a descansar
À sombra da bananeira
A velha raposa matreira
No meio do mato urbano na caça burocrática
Usa perfume de marca e atitude simpática
Tem protecção do governo, ouro ao preço do cherne
Compra o silêncio dos bois com vacas de alterne
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11. |
A Ratoeira
02:58
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A RATOEIRA
Sujam as mãos na constituição com a tinta fresca
Discutem toda a situação numa mansão burlesca
Gastam recursos a dar discursos e emprego verbal
Dizem que é normal
Ter um mar sem sal
Projectam-se no céu e dizem-nos que foi milagre
Vão tentando adoçar-nos a boca com vinagre
E o tempo é passatempo de antena sem sinal
A crise é viral
Dizem que é normal
Que o dia de amanhã já nasça hipotecado
Por isso tem cuidado
A ratoeira espera-te no fim
O produto interno é bruto mas a mim não chega nada
Só me enchem os ouvidos com estatística burlada
Quando o estado do país se vê no móvel às moscas
Lâmpadas já foscas
Porcas já sem roscas
E eu confio o futuro a um ou outro desconhecido
Que só diz o que seria se fosse o que tinha sido
E o dia cai com a minha bolsa em fraca cotação
Sou empresa sem acção
Ou cláusula de rescisão
E o dia de amanhã já nasce hipotecado
Por isso tem cuidado
A ratoeira espera-te no fim
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12. |
Escorpião Amável
02:56
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ESCORPIÃO AMÁVEL
Escorpião amável, dás
Toques de Satanás
Não agites a tenaz para os mortos
Escorpião amável, és saco de pontapés
Tomam-te por má rês
Dentes tortos
Num deserto casto havia a quem morder
Pelo gosto de o fazer
Escorpião amável seguia sem perceber
Todo o mal que viu fazer
Corpos espalhados, alguns em putrefacção
Engolidos pelo chão
Escorpião amável seguia na multidão
Indiferente à situação
Escorpião amável, dás
Toques de Satanás
Não agites a tenaz para os mortos
Escorpião amável, és saco de pontapés
Tomam-te por má rês
Dentes tortos
Por mais mal que haja nas veias do escorpião
Não se pica sem razão
Traidores sem tino que fogem a ser quem são
Cabeça ao nível do chão
Foge da elite com cancro intelectual
Amantes do dizer mal
Chupadores do sangue da veia sentimental
Gonorreia emocional
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13. |
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A VINGANÇA DO BICHO DO MATO
Vinha a mula carregando a tralha dos humanos
Ficou a meio caminho, ou se cansou ou morreu
Pobre mula que subias a torre de babel
Não carregues esse fardo que nunca será teu
Vinha a galinha puxando ladeira acima
Planeando a vingança com a mula cansada
E os humanos descansados a comer omeletes
Levaram coices da mula até não comerem nada
Eu sou bicho do mato
Não me lixem a cabeça a menos que o mereça
Sou bicho do mato
E o que for que aconteça, não há quem não mereça
Pastava o boi sossegado num campo de golfe
Cú virado para a metrópole civilizada
Entre uma bosta e outra, nascia uma couve
Logo mataram o boi e a couve virou salada
Vinha o pato psicopata de mão dada com a pata
Cortaram-lhes o pescoço para fazer um petisco
Juntaram-se logo gansos de volta do assassino
E artilhados pela raiva, debicam-lhe o menisco
Eu sou bicho do mato
Não me lixem a cabeça a menos que o mereça
Sou bicho do mato
O que for que aconteça, não há quem não mereça
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Bicho do Mato Evora, Portugal
"Com uma sonoridade distinta entre a música tradicional, o rock, o folk e a world music, o Bicho do Mato apresenta canções melódicas e acessíveis que contrastam com a crueza das palavras, atentas e aplicadas num cantar de intervenção mais humano que político, cantado e tocado em Português." ... more
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